segunda-feira, 23 de julho de 2018

20 dias no "Chi-Chi-Chi-le-le-le"

Em 03 de abril de 2018 eu iniciava os preparativos para a realização de mais um sonho, mais uma viagem, ao comprar as passagens para ir ao Chile. Todavia, a viagem se iniciou bem antes disso, através da leitura de inúmeros blogs, relatos de viagens no grupo dos mochileiros, ao contatar agências e guias. A princípio tinha me encantado pela ideia de fazer a Travessia Cerro Castillo e fazendo buscas no google encontrei um site (patagonicus) no qual eu conheci o Marcelo, com quem mantive meu primeiro contato em 26 de junho de 2017, ou seja, onze meses antes de viajar.  No site vi descrição da opção pela Travessia de 07 dias, que após contato, descobri que teria alto custo para eu fazê-la sozinha, além das possibilidades de pegar muita chuva no período pretendido o que me fez mudar de ideia. Fomos trocando e-mails, e ele foi apontando outras opções que me pareceram tão encantadoras quanto Cerro Castillo. Ele me falou do Valle Cochamó e de um trekking para o Vulcão Puyehue. E fomos criando um panorama bem diversificado, conforme eu ia lendo sobre os lugares que ele mencionava.




Após comprar as passagens, fui pagando paulatinamente os custos da trilha, fiz reserva em hostel, comprei roupas e equipamentos que faltavam e que fizeram falta na viagem ao Peru um ano antes.

Com uma mochila de 60L e uma mala de rodinhas de bordo, eu parti de Recife/PE num voo da Latam no dia 19 de maio de 2018, às 8h10, chegando em São Paulo/SP às 11h30. 


Na sequencia, peguei outro voo para Santiago às 13h45, chegando às 17h09. Sentada do lado esquerdo da aeronave, eu pude apreciar uma deslumbrante vista para a Cordilheira dos Andes, que definitivamente foi um presente particular pouco antes da aeronave pousar em Santiago. É indescritível aquele mar de montanhas, algumas repletas de gelo, coisa linda de se ver. 

No aeroporto de Santiago (Nuevo Pudahuel) eu teria de esperar mais de 14 horas considerando que meu voo para Puerto Montt somente sairia às 7h do dia seguinte. Deixei a mala de rodinhas e o mochilão no setor de ‘custodia de equipaje’ no aeroporto (serviço pago, coisa de 5 mil pesos, mas que valeu a pena no meu caso), e resolvi dar uma volta no Costanera Shopping para ver se eu comprava umas coisas que estava querendo (leia-se uma bota de trekking decente). Após muitas buscas no grupo dos mochileiros por taxistas e uber, eu tinha uns 30 telefones de taxistas e apenas 01 de uber na agenda, e advinha, levei um furo do uber com quem eu havia acertado para me buscar no aeroporto. Ele mandou uma mensagem dizendo que os carabineros tinham prendido o carro dele, até ali eu nem sabia o que era carabinero, mas depois descobri que é a polícia local. Ou seja, minha opção de preço bom para deslocamento até o shopping tinha se esvaído. Acabei encontrando, ou melhor, sendo encontrada por um taxista chamado Mário, de baixa estatura e grande simpatia, em torno dos cinquenta anos, e que após muita insistência e negociação, quase desistindo de ir ao shopping, resolvi aceitar. No caminho, ele fez muitas perguntas, estava impressionado por eu estar viajando sozinha, e foi logo perguntando se eu estava solteira, na hora até pensei em mentir, dizer que estava indo encontrar meu noivo chileno que tem 1,98 de altura e muitos músculos, mas acabei falando que estava solteira, que meu ex-namorado havia me largado e se mudado para a Argentina. Ele foi logo falando do filho, que também estava solteiro e que era muito aventureiro feito eu, que tinha um grupo de mountain bike, etc etc. dependesse do taxista, eu encerraria a corrida de casamento marcado. Não fiquei ofendida com a oferta, pelo contrário, achei graça, até tive a impressão que ele achava um desperdício eu estar viajando sozinha, e quem sabe ele não tem razão. Na dúvida se encontraria algum taxista tão honesto quanto o Mário, acabei combinando dele me buscar no Costanera para levar de volta ao aeroporto às 22h. 

Acabei só gastando um dinheirão desnecessariamente (e que me fez falta no final da viagem) com táxi, quase 34 mil pesos ida e volta, ou seja, cerca de 220 reais e nem encontrei nada que me agradasse no shopping, mentira, encontrei sim, mas como era o primeiro dia de viagem, oscilei entre o zelo e o medo quanto ao dinheiro que me sobraria para os próximos vinte dias. Acabei jantando na praça de alimentação do Costanera, em uma espécie de self-service onde você não se serve (!), comi um arroz com frango e verdura horrorosos, e ainda comprei uma água com gás por engano numa máquina de ficha. A frustração era grande pelo dinheiro desperdiçado com comida ruim e água imbebível, mas ao menos gastei parte do tempo que esperaria à toa dentro do aeroporto. No horário e local marcado, quase como um trem europeu, o Mário passou para me pegar. Quase não consegui respirar de tanto perfume dentro do carro, e para minha surpresa, o filho do Mário também estava no carro. Por muito pouco consegui segurar a vontade de dar uma gargalhada, mas tive medo que ele parasse em alguma igreja para casarmos antes de me deixar no aeroporto. Mas sobrevivi às flechas daquele gentil cupido, e desci do carro sã e solteira perto das 22h30. 

A espera após às 22h30 até às 7h do dia seguinte foi mais longa (e sofrida) do que o previsto. Fazia um frio absurdo no aeroporto e não encontrei lugar confortável para me alojar, dado que só no dia seguinte conseguiria despachar as malas e passar pelo embarque, onde encontraria cadeiras vazias e mais ‘confortáveis’. Como as malas estavam guardadas, aproveitei para tentar cochilar em algum canto do terceiro nível, onde o taxista  Mário, meu ex futuro sogro, me disse que seria menos frio, mas todas as poltronas, bancos e cadeiras estavam ocupadas, muitas pessoas estavam no chão, aparentemente na dita área menos fria, próxima a dois cafés. Fui até um café “Brioche Dorée”, próximo aos guichês de check-in nacional, e me sentei em uma cadeira alta perto de um balcão suspenso, e encostei a cabeça no balcão, usando tudo que tinha na mochila numa infrutífera tentativa de me aquecer, usei o encharpe para cobrir a cabeça, e coloquei as luvas e a jaqueta de pluma, não bastasse a tentativa de superar o frio, o desconforto da posição foi exaustivo. Devo ter cochilado cerca de 2h no máximo, em um sono leve no qual eu acordava aproximadamente a cada meia hora. Cansada de tentar descansar, resolvi tomar um café e para acompanhar pedi uma fatia de ‘queque’, um bolinho magnífico com amêndoas e outras sementes, paguei caro acredito que pouco mais de 7 mil pesos (45 reais), mas certamente eu repetiria o tal queque em outra oportunidade. Lá pelas 4h da manhã, vi que algumas pessoas começavam a formar filas no check-in da SKY Airlines, e fui buscar minhas malas para despachá-las e ir para o embarque.  




Foi quando finalmente consegui ‘deitar’ nas cadeiras em frente ao meu portão de embarque e cochilei por mais meia hora. Resolvi andar e procurar algo para comer, afinal o ‘queque’ não foi suficiente para cobrir a pouca e péssima comida das horas anteriores. Resolvi comer num quiosque de hot dog chamado ‘Dooglicious’ onde pedi um hot dog com rodelas de pickles. Aquilo ‘não cobriria nem o buraco do dente’ tamanha era a minha fome em comparação a magreza daquele negócio. Depois de uma eternidade, o embarque começou, e logo me alojei no avião. Sentei ao lado de um rapaz bonito, aparentemente mais novo que eu, e que na pouca conversa que tivemos ao perguntar se ele iria pegar o transfer para Puerto Varas, soube que ele iria passar o final de semana em Chilóe com uns amigos.


Cheguei em Puerto Montt às 08h45 do dia 20, aguardei minha mochila vir pela esteira, e já no desembarque, sem ter feito reserva, contratei o Transfer para Puerto Varas. Foi super rápido dado que a van sairia em dois minutos e logo eu me vi correndo com uma mala de rodinhas na mão, uma mochila pequena no colo e um mochilão de mais de 14kg nas costas quase partindo minha coluna no meio. Cruzei com o chileno bonito, acenei e entrei na Van que estava parada na frente do portão de saída, praticamente cheia. Ninguém pareceu muito a fim de papo e seria um silêncio sepulcral não fosse pelo som do rádio reportando as notícias pré-feriados e algumas músicas locais. Na estrada você já sente um pouco a beleza da natureza que há por vir. Do lado direito da estrada, a van passou na frente de uma igrejinha linda cujo teto quase tocava o chão, infelizmente não deu para tirar foto, mas depois o Marcelo me informou se tratar da Iglesia rural en Las Lomas’ .


























A van me deixou no meu hostel Margouya Patagonia Outdoor, uma casa de primeiro andar toda em madeira e com janelões, lindinha e bem localizada, próxima a alguns mercados, do centro e do Lago Llanquihue. No primeiro andar do hostel é possível ter uma vista do lago. Fiquei hospedada em um quarto coletivo no térreo. 

A recepcionista chilena foi simpática e se esforçou para entender meu péssimo portuñol, e me mostrou um pouco os cômodos e a cozinha, para a qual eu providenciaria alguns pães, ovos e café para meu jantar e café da manhã do dia seguinte, considerando que o hostel não disponibilizava café da manhã.


Nesse primeiro dia após realizar o check-in, fui caminhar pela cidade até o Lago Llanquihue, o dia estava lindo e frio, com algumas poucas nuvens no céu, a cidade estava bem vazia, poucos carros e poucas pessoas andando pelas ruas. Chegando na beira do lago, era possível ver uma fila de hotéis de luxo, lindos, a julgar pelo pouco que entendo de arquitetura tinham aspecto alemão ou suíço, algo que remetesse aos alpes e outras cidades frias da Europa. Hotéis lindos, para os quais eu só conseguia pensar que dentro deveria ter calefação em todo lugar até no assento sanitário e que certamente seria possível tomar café ou vinho olhando para o lago. Minhas intenções naqueles hotéis de luxo eram nitidamente limitadas à vista e calefação. 


Aproveitei para caminhar um pouco mais na orla e tirar algumas fotos, como estava sozinha o máximo que consegui foi a companhia de uns cachorros/perros de rua e umas crianças que balançavam uma bandeira do Chile localizada numa espécie de píer que adentrava poucos metros no lago. Fazia frio, eu estava faminta e não ousei caminhar muito.
             




























Após muito andar na ausência de refeições dignas há mais de dez horas, considerando a fatia de queque e o magro hot dog de picles, a fome já chegava a doer, então às 13h resolvi procurar um lugar para comer, andei mais uns vinte minutos quando então resolvi entrar numa hamburgueria com cara de pub abaixo do nível da rua e com uma grande escultura de um cachorro de lata na frente chamada no 'Patagonia burguer’. 





















Sofri para entender alguns itens do cardápio, mesmo ainda sem ter compreendido todas as opções, resolvi pedir um hambúrguer cheio de picles. E que hambúrguer! Enorme e saboroso, acompanhado por batatas fritas crocantes e quentinhas, molho de mostarda da casa e ají chileno, saboreei cada pedaço de picles como se fosse a especiaria mais incrível da terra. E para minha surpresa, haja vista meu estômago de avestruz, ainda deixei sobrar um pouco de comida. Certamente o hambúrguer é do tipo que dá pra dividir por dois, mas naquele dia a metade seria pouco para mim, e um inteiro foi muito. 


Voltei para o hostel caminhando, planejando tomar um banho, quando então descobri que minhas sandálias havaianas, que me salvariam no uso do banheiro coletivo, não estavam na minha mochila. Tive de andar pela cidade a procura de uma sandália plástica semelhante. Após quase duas horas andando numa cidade pequena em pleno domingo, véspera de feriado, no que certamente seria o horário da siesta, entrei numa loja oriental, dessas que vendem de tudo e parecem nunca fechar, e encontrei uma salvação de cor pink para meus banhos futuros. Voltei para o hostel, debaixo de choviscos congelantes. 

No final da tarde, meu guia foi ao meu hostel se apresentar e dar algumas instruções. Pessoa tranquila e prática, Marcelo basicamente me instruiu a estar pronta no dia seguinte pela manhã, e que faríamos uma parada na estrada para ele me ajudar a organizar a mochila do primeiro trekking. Não demorou muito e após as instruções ele partiu. 


Sozinha preparei meu jantar no hostel, três ovos mexidos, pão e café. Havia outras pessoas no hostel, uns dois casais estrangeiros acho que franceses com cara de poucos amigos, uma brasileira e um brasileiro antipáticos e um coreano confuso, contradizendo toda imagem que eu havia criado daquele hostel. Consultando pelo booking, eu sabia que o Margouya tem uma vibe aventureira, onde o pessoal se junta para fazer cicloturismo, andar de caiaque no lago, etc, tudo aparentemente bem no espírito de hostel  que sempre junta gente de todo canto do mundo, mas ali eu me senti alheia a todos. Todos tinham uma cara fechada e eu nem tive ousadia de iniciar um papo até porque como eu não falo bem inglês e tampouco espanhol, acabo só conversando com quem é simpático o suficiente e aparenta ter boa vontade e paciência de falar meu péssimo portuñol. A tirar pelo francês que esqueci o nome e pela chilena que trabalhavam no hostel e esbanjavam simpatia, todos os demais hóspedes só faltavam ranger os dentes de tanto mau humor, certamente não dei sorte. O ápice de contato com um hóspede que tive foi no momento em que um coreano entrou desesperado na cozinha pedindo ‘paper’, entendi que o papel higiênico do banheiro do quarto dele havia acabado, e prontamente fui ao banheiro da recepção, peguei um rolo de papel higiênico e ao entregar para ele quase recebi um abraço de gratidão. Ao final do dia, organizei minhas roupas e fui ao primeiro banho da viagem depois de pouco mais de 24 horas sem banho. O banheiro ficava no quarto e era grande, com um janelão de frente para uma árvore, parecia coisa de cinema, mas cuidei logo de fechar a cortina, uma discreta calefação que mal dava conta do frio, uma banheira com chuveiro na qual eu quase ‘abro escala’ e me quebro toda, mas consegui tomar um banho quente e sobreviver. Fui dormir ansiosa em sair logo dali e partir para a aventura.


No dia 21 acordei umas 7h da manhã, mesmo com um frio que eu estimava próximo a zero fui tomar banho, pois não o tomaria nas próximas 48 horas. Segui para o banheiro tentando não fazer ruídos, o que era impossível num casarão todo de madeira no qual qualquer passo parecia um terremoto. Enquanto eu tomava meu café verifiquei que fazia 3 graus. O Marcelo parou na frente do meu hostel com uma mini van branca aproximadamente às 8h40, joguei meu mochilão e minha mala de rodinhas dentro, descemos a rua de ladeira do hostel até o lago e seguimos pegando a via à direita, passando na frente dos hotéis de luxo, contornando o Lago Llanquihue com o Osorno nos observando de longe, com destino ao Vale Cochamó, no vilarejo de Llanquihue.


Qualquer raio de sol que entrava no carro era um alívio para o frio que ultrapassava a jaqueta de plumas e o flleece. Foram aproximadamente 80 km entre Puerto Varas até Cochamó, passando por Ensenada e Rálun. A paisagem é sublime, os trechos de florestas que margeiam a estrada são lindos, e quase sempre é possível ver ou ser observado por algum vulcão. 


Na ida, às 9h20 paramos na beira do Lago para organizar a mochila, e logo eu descobriria que mesmo tendo tirado um monte de coisa desnecessária, ainda levava muitas coisas desnecessárias, ou seja, peso. Acredito que com a experiência, após realizar mais trilhas, aprenderei a organizar dignamente uma mochila, sem carregar coisas demais, exercendo um desapego confortável para longas e íngremes caminhadas. 





















Seguimos na estrada e paramos ainda na Iglesia de Cochamó (Paroquia Maria Imaculada), localizada na Av. Catedral com a Av. Arturo Prat, de frente ao estuário de Relocanví. 


A igreja é linda, a vista para o estuário é incrível, coisa de filme, águas calmas, pedrinhas na pequena faixa de areia da margem, pequenos barcos parados e um pequeno farol me fizeram recordar filmes e concretizar a imagem de alguns livros. Aproveitando o calorzinho proporcionado por alguns raios de sol havia um urubu de asas abertas imóvel no teto da igreja tomando ‘banho’. 

        
                            


Às 11h chegamos no local de início da trilha ao Vale Cochamó. Estacionamos a mini van na casa do Sr. Cláudio, com quem trocamos uns 10 min de conversa. Antes de iniciarmos a caminhada, meu guia sugeriu a troca dos tênis impermeáveis por galochas de borrachas, decisão acertadíssima para os cenários que encontraríamos mais a frente. 

                                

Iniciamos nossa caminhada pela Selva Valdiviana, um trecho de aproximadamente 14km que duraria  5 horas até nosso destino no camping La Junta. Por mais que tente encontrar as melhores palavras para descrever essa trilha, pode ter certeza que não estarei usando as palavras dignas da descrição mais fiel. 



A trilha é linda, com algumas marcações com fita de cor laranja em algumas árvores, não há muita dificuldade além dos trechos de charcos e muita lama, que em alguns trechos exige mais esforço físico e atinge metade da perna, e por um erro de escolha, já próximo ao camping consegui enfiar o pé em uma parte mais funda de um trecho de charco, e a lama ultrapassou os limites da bota, pouco abaixo do joelho, mas isso não diminuiu em nada a beleza da trilha, pelo contrário. 


As árvores da selva valdiviana são lindas, e a trilha em sua maior parte margeia o rio, sendo possível observá-lo bem de perto em alguns trechos ou ouvi-lo quando oculto atrás das árvores. Não sei se em razão da época que fui, início do inverno e muito frio, quase não se ouvia pássaros ou qualquer outro ruído além das águas. Um silêncio divino. Não identifiquei muitos odores, somente às vezes quando passava por algumas árvores era possível sentir o cheiro do protetor solar ‘coppertone’. Passamos uma ponte suspensa que cruza um trecho do rio, e por outras pontes menores que facilitam cruzar alguns trechos onde riachos passam por pedras. 



Paramos umas três vezes para comer alguma coisa, beber água, e abastecer as garrafas com água do rio. Nessa trilha, pela primeira vez eu bebi água diretamente da natureza, ao pé da letra não teve preço, abastecemos nossas garrafas numa fonte que caía perto da trilha. 

Mesmo que durante a trilha você fique encharcado de suor, considerando que faz muito frio,  você tem que se manter agasalhado, parar um pouco para beber água era um tormento congelante. Em todo o percurso cruzamos com pouquíssimos aventureiros, acho que no máximo quatro pessoas, que também andavam em duplas. Às 15h vimos as primeiras placas indicativas do camping 'La Junta'. 



Como ainda havia luz, deu para ver os lindos paredões cinza de granito ao redor do descampado, paraíso para os amantes de trekking e escalada, sendo comparado ao Yosemite. Não havia ninguém no camping, que costuma ficar lotado no verão. Enquanto Marcelo esquentava água para um chá de rosa mosqueta, aproveitei para lavar os pés na água congelante, trocar de meia e de bota, quase perca total da meia após enfiar o pé na lama, sendo quase impossível esfregar as meias na água congelante para retirar a lama. Resultado: mãos e meias pretas, a primeira pelo frio e a segunda pela lama. 


Fim de tarde, fomos visitar o Mono (Cristián Gallardo) e Jupiter.  Por sinal, no vimeo tem um documentário sobre ele, chamado “El Mono de Cochamó”, película esta ganhadora no Festival de Cine de Montaña de Santiago em 2016. Cruzamos o rio em uma espécie de carrinho em tirolesa e andamos um pouco até o Refugio Cochamo, onde o Mono vive. 

                            

Chegando lá, tive uma das experiências mais incríveis da minha vida. O amor por viajar esconde a curiosidade e gosto por histórias, ouvir, sentir, conhecer, conversar com as pessoas locais. Sensorial que sou, ansiando sempre por cheiros e sabores. Fomos convidados pelo Mono e Jupi a tomar café, e logo passei a conhecer mais da rotina de uma vida tão alheia a minha, mas que eu tanto admiro, respeito e talvez até anseio. Enquanto deliciava a conversa e o café quente, ele nos convidou a pernoitar dentro do refugio, ao invés de passar frio no camping (pode acreditar que estava imensamente frio), e eu estava praticamente entrando no fogão a lenha do Mono. Aceitamos de imediato, e logo eu e Marcelo cruzamos novamente o rio para recolher nossas coisas no camping. Já estava escuro, e pela primeira vez usei a headlamp para andar no escuro à noite. O coração acelerado, quase saindo pela boca. Nem consigo descrever direito a sensação de cruzar o rio a noite, em uma tirolesa, sem enxergar nada além do que a pouca luz da headlamp apontava. Foi incrível, e eu só pensava que se minha irmã tivesse ali, teria um ataque de nervos. Rezei para que nenhum bicho, que até então eu não havia avistado, resolvesse dar as caras. Pegamos nossas mochilas, e voltamos para cruzar o rio novamente, prendendo a mochila no carrinho, para não cair na água. 


Em parte eu estava meio decepcionada comigo mesma, por ter trocado a minha primeira noite sob céu estrelado em camping aberto, por uma noite em refugio, mas o frio que eu sentia logo me fez abandonar o arrependimento. Voltando para o refugio, o Mono e a Jupiter sugeriram fazer pizza, e eu mal poderia acreditar que nem nos meus melhores sonhos poderia viver aquele momento. 


Ali, isolados de tudo, na beira de um fogão a lenha, na presença de pessoas tão integradas à natureza, com histórias tão lindas, força imensurável, jantei a pizza mais artesanal da minha vida, com direito a vinho e muita conversa. Minha cabeça transbordava de perguntas sobre a rotina e vida deles, mas não ousei perguntar muita coisa. Eu era toda ouvidos. Não me recordo de que horas fui dormir, acredito que em torno das 23h, tomada pelo cansaço, dormi em um quarto com um janelão cuja vista me surpreenderia na manhã do dia seguinte.


Acordei às 7h20 do dia 22, e pela pouca luz que entrava pela janela conseguia ver os contornos dos paredões de granito, às 8h30 o sol iluminava tudo ao redor, sendo possível ver melhor toda a floresta. Eu não conseguia definir tudo que sentia naquele momento, eu era só contemplação. 


Tomamos café da manhã, pão, café, doce de leite. Peguei minhas botas que estavam próximas ao fogão a lenha, e ao calçá-as foi como um abraço quentinho. Tirei foto com nossos anfitriões na escadaria do refugio, e partimos para recolher as galochas que ficaram no camping e seguir a trilha.


Cruzamos novamente o rio na tirolesa, e chegamos no camping às 10h40, onde foi possível apreciar o calor dos raios de sol que penetravam o vale frio, quase como invasores cruzando os paredões cinza de granito, coisa linda de se ver, os cristais de gelo reluzindo sobre a grama do camping, que como bem descreveu Guilherme Cavallari para outro campo patagônico, mas acredito eu que de beleza semelhante, “A vegetação que ladeava o caminho estava decorada de cristais de gelo cintilantes como diamantes ao sol”. Logo esses cristais derreteriam com o pouco calor que fazia. Fiquei pensando no quanto a noite teria sido fria ali no camping, mas não tive essa experiência. 







Às 11h começávamos o caminho de volta, que durou menos que a ida e às 15h já estávamos no carro. Criei uma nota mental de abrir mão de futilidades a montar a mochila na próxima trilha, e comprar uma mochila decente, cuja barrigadeira seja eficiente e amenize o peso sobre os ombros. Descobri que eu não tenho memoria visual tão boa quanto achei que tivesse, reconheci pouquíssimos trechos da volta, e certamente me perderia não fosse pelas fitas laranjas encontradas esporadicamente. Exausta, sentei no carro ansiosa por um banho quente. 


Em menos de 20min estávamos na companhia de uma ilustre cantora participante do ‘la reina dos chivos’ alguma coisa, a quem demos carona em Ralún. Mais uma experiência indescritível, pessoa simpática, humilde, com energia e alto astral para dar e vender, mas ela certamente não comercializaria isso, pois não me parece ser da natureza daquela mulher a quem cantar era sua maior moeda, tendo pago a carona com duas músicas do festival que participa anualmente. Partimos rumo ao vulcão Osorno, onde eu iria pernoitar.



Foram quase 62 km até o Refugio Teski, localizado no vulcão Osorno a aproximadamente 1.230m, com uma parada rápida em um pequeno mercado em Ensenada para eu comprar um chip e ter mais comunicação com minha família e correr menos risco de enfartar alguém com minha falta de sinal de vida, além do que ter internet móvel significaria pode usar o google maps quando necessário, o que me salvaria quando chegasse em Santiago.



Como era baixa estação, a título de sugestão do meu guia, eu havia cancelado a reserva para não ter que pagar multa caso tivesse que mudar de planos, mas o check-in sem reserva foi mais tranquilo do que eu poderia imaginar, afinal eu era a única hóspede no Teski naquele dia. Meu guia me deixou lá e voltaríamos a nos encontrar na manhã do dia seguinte. O lugar é simplesmente mágico. Primeiro porque ali eu vi um dos pores do sol mais lindos que já presenciei, muito embora o frio chegasse a doer, os raios do sol pareciam um abraço de mãe, segundo porque eu era a única hóspede do dia e tinha o hostel todo para mim, terceiro porque me empanturrei de três saborosos mini hambúrgueres, e quarto porque tomei um banho quente no qual eu rejuvenesci dez anos, mentira, mas foi revigorante. Após apreciar a comida, e atualizar as redes sociais e falar com minha mãe por vídeo chamada, fui dormir sozinha num quarto com dois treliches e um aquecedor aparentemente fraco, mas que deu conta do frio. Aproveitei para espalhar as minhas coisas em praticamente todas as camas do quarto, inclusive na tentativa de secar algumas coisas que molharam com um vazamento da hidrabag.





















Muitas pessoas vão lá no Teski apenas para ver o por do sol, tomar café ou jantar, mesmo sem ser hóspede, ao que me parece um excelente passeio para quem está pelas redondezas, eu certamente viveria indo para lá se morasse na região dos lagos.


Acordei sem pressa no dia 23. Tomei mais um banho quente, e às 9h tive um café da manhã de princesa, embora eu ache que princesa não coma muito para manter o manequim e eu comi tudo que me foi servido, dois pães com cara de pão de queijo e sabor de pão francês bem quentinho, café, leite, ovos mexidos, iogurte e uma fatia de torta doce de frutas vermelhas locais, ao som de ‘wave’ de Tom Jobim, vendo o basset que certamente pertence a alguém do Teski tomar um banho de sol em cima das mesas de madeira da área externa. 


Após o café, segui para uma curta caminhada ao redor do Teski e aproveitei para conhecer o Centro de Ski do Vulcão Osorno localizado à 1.230m, com desnível de 530 metros, com teleféricos que alcançam os 1.760 metros (o vulcão Osorno tem 2.652 metros). O centro de ski ainda não estava nevado, mas dias após minha partida tudo ficaria repleto de neve. Apenas o frio me acompanhou nessa caminhada.



Após às 11h Marcelo passou no Refugio, e percorremos 23 km para os Saltos del Petrohué e depois Lago de Todos Los Santos. 

No caminho, paramos na Laguna Verde, localizada no Parque Nacional Vicente Pérez-Rosales, e fizemos uma caminhada curta até a laguna que é realmente incrível, de uma cor verde esmeralda bem bonita, o percurso é simples, mas seria uma das poucas caminhas onde eu poderia ouvir som de algum animal, que predominantemente seria o pássaro ‘Chucao’, que tem um som parecido com um chocalho e fornece todo um ar ‘jungle’ a caminhada.

Nesse trecho de trilha ainda é possível alcançar um píer que dá para as águas calmas do lago llanquihue, onde pude presenciar o que seria o namoro de dois pássaros na maior cantoria na beira do lago.


 

Seguimos para os Saltos del Petrohue, onde é simplesmente deslumbrante se deparar com toneladas de águas de infinitos tons verdes batendo com força nas pedras, num espetáculo da natureza observado pelo Osorno e que podemos contemplar através de pontes, passarelas e mirantes acessados através de várias trilhas sinalizadas e de fácil acesso. 




Em mais 7km de carro, chegamos ao Lago de Todos Los Santos, de onde partem barcos para Bariloche. Uma praia de areia preta derivada de sedimentos vulcânicos. 

Na volta, paramos ainda para caminhar num trecho próximo à estrada onde era possível observar a devastação da ultima erupção do vulcão Cabulco em 2015, que criou um rio fantasma pela floresta. Nesse dia, ficamos em Ensenada, preparando as mochilas e equipos para os trekkings dos próximos dias.

Aproximadamente às 11h do dia 24 pegamos novamente a estrada, uma distância de 124 km até Ruta 215, Río Bueno, Región de los Ríos, levando aproximadamente 2h30 para chegar no Restaurante El Caulle, localizado a cerca de 546m de altitude, onde se inicia o Trekking de dois dias para ascensão ao Vulcão Puyehue (2.200m), cuja última erupção se deu em 2011. 

Iniciamos o trekking às 13h30 e seguimos até o refúgio localizado a 1.394m em cerca de 3h30, desnível de 850m, parando umas duas vezes para comer, beber e coletar água das fontes. Mais uma vez a parada para beber água era algo rápido a se fazer porque o frio logo começava a se tornar ‘congelante’, e o suor ia esfriando por todo o corpo. Suei bastante, a trilha é bem íngreme, com trechos onde se exige muito esforço, especialmente com uma mochila de mais de 10kg nas costas. Chegamos ao refugio pouco antes do entardecer. 

O lugar é charmoso por fora, com cara de cenário de filme, simples e eficiente por dentro. Dispõe de sete beliches rústicos, ou seja, espaço para 14 leitos, com mesa, bancos, estufa a lenha em seu interior e algumas janelas, com uma vista excelente do Vulcão Puyehue. Não cruzamos com ninguém, não ouvíamos som algum além do vento batendo na copa dos coigües, uma árvore frondosa que cresce no centro e sul do Chile. No refugio também não havia ninguém, nada além do som dos fortes ventos e do frio que me pareceu algo emocionalmente denso. De cara a primeira coisa a se fazer era acender o fogo da estufa interna do refugio, no final da trilha havíamos tomado uns chuviscos, ventava muito e fazia muito frio. Eu estava encharcada de suor que começava a congelar após parar de caminhar. Era a hora de usar lenços umedecidos para retirar o suor antes que esse congelasse. O Marcelo saiu para pegar uns pedaços de madeira, enquanto eu batia o queixo dentro do refugio. Ele voltou com pedaços de madeira de todo tamanho, e usando a parte interna de papelão de um rolo de papel higiênico, acendeu o fogo e a chama não demorou muito a estalar a madeira e aquecer o ambiente congelante. Depois saiu novamente para pegar água num riacho, e passados mais de 20 min comecei a ficar desesperada achando que ele tinha sido engolido por um urso, depois eu descobriria que não tinham ursos ali, apenas pumas e lebres. Chamei por ele umas quatro vezes, e já começando a surtar e congelar, voltei para dentro do refugio e antes que eu começasse a pensar numa estratégia de sobrevivência para aquela noite, ele apareceu com a garrafa cheia de água. Tomamos chá, e passava das 18h quando começamos a preparar o jantar, passado pouco mais de 1h, ouvi sons de pessoas se aproximando, era tarde da noite, passava das 19h, lá fora não havia mais nenhum traço de luz solar, e eu praticamente congelei com o braço suspenso levando o garfo de comida até a boca, quando entrou no refúgio quatro homens encharcados. Os primeiros minutos foram de apreensão, até que eles se apresentaram como pesquisadores de alguma unidade de Santiago, e que estavam coletando material vulcânico na costa do Chile. Tudo transcorreu bem, e eles pareceram  simpáticos. Mas a aventura não acabava por aí. Logo após o jantar, saí para fazer xixi, com a headlamp devidamente alocada em minha cabeça, segui rumo a escuridão, tentando iluminar o maior campo de visão possível ao meu redor, para ver se não havia puma ou qualquer outro predador maior que um rato. Quando vi que o terreno estava seguro, me baixei segurando a calça em uma mão e o papel higiênico em outra, e a headlamp apagou. Os segundos que se passaram foram de desespero em ser devorada ou em molhar as calças após o susto. Tentei malabaristicamente reacender a headlamp, com a mão que segurava o papel higiênico, enquanto imaginava algum puma sortudo se aproximando enquanto eu estava ali indefesa, abaixada e com as calças na metade da perna. Mas a headlamp reacendeu, e antes que fosse devorada por qualquer coisa, me enxuguei e levantei a calça rapidamente, e saí correndo para dentro do refugio, ninguém deve ter visto naquela meia luz que eu certamente estava pálida de medo, até porque eu já estava pálida de frio antes disso. Corri para meu saco de dormir, e tentei dormir enquanto os fortes ventos lá fora uivavam de forma que nunca tinha presenciado e testavam a solidez de cada pedaço de madeira e prego do refúgio. Saber que havia um saco com quase 10kg de pregos no canto da parede não era algo que me acalmasse. Passei a noite com a sensação que o vento arrancaria as paredes e o teto, e que tudo sairia voando, então praticamente não preguei os olhos, e nem tive coragem de acordar o guia para conferir se os ventos apresentavam risco, todos pareciam imóveis e em sono pesado mesmo com todo aquele berreiro do vento.

               

Nessa época do ano no Chile, o sol demora a nascer, algo em torno de 8h30 da manhã, o que me pareceu uma eternidade naquele dia 25 após uma noite pessimamente dormida. Tomamos café da manhã, pães, queijo, suco de laranja e chá de rosa mosqueta, e em torno das 9h partimos rumo ao cume, ou quase isso.




Logo na primeira hora de caminhada, senti uma dor forte no ouvido, como eu estava sem touca, fiz nova nota mental de que compraria uma touca decente no primeiro sinal de civilização, além de me prometer que procuraria uma camisa polartec de secagem rápida, pois suar em montanha definitivamente é um problema. Meu guia emprestou a touca dele, e logo as dores cessaram, acredito que em razão dos fortes vento e frio. Durante a subida foi possível observar uma lebre correndo pelas pastagens. No trecho nevado, paramos para colocar os grampões, e aproveitei para pegar uma pequena pedra como lembrança, e fazer uma chamada de vídeo para minha irmã e mãe, do alto da montanha. Eis que o vento seria o ‘vilão’ do dia, fizemos uma ascensão difícil, sofrida em razão das fortes rajadas de ventos de mais de 70km/h acompanhada de pedrinhas, areia, pedaços de gelo e neve, às 11h30 estávamos a uns 200 m do cume, mas tive dificuldades em seguir em frente, quando então tomei a decisão de desistir de alcançar o cume. Naquele dia eu perdi a incrível oportunidade de chegar ao cume do vulcão puyehue, que é incrível por sua dimensão coberta de gelo, como um estádio de futebol gelado. A descida até o refugio foi rápida, as 13h50 já estávamos na cabana, arrumando nossas mochilas para descer até a mini van que se encontrava no estacionamento do restaurante El Caulle, descida esta que levamos cerca de 2h40, com apenas uma curta parada para comer algo, beber água e reabastecer a garrafa numa fonte.


Sob muita chuva, perto das 17h pegamos a estrada rumo a Valdivia, quase 200km, que fizemos em cerca de 4h. 

Em uma busca rápida no app do booking localizei o Hostel Chumaihuén, barato, com banheiro de água quente, calefação e café da manhã, requisitos imprescindíveis para mim. O hostel não estava muito cheio, identifiquei apenas umas 4 pessoas transitando, e duas camas ocupadas próximas a minha. Não me recordo quantos beliches havia no quarto, cerca de sete. As instalações eram recentes, tudo parecia novo e limpo. Perguntei se o banheiro tinha calefação, e fui informada que apenas o banheiro do primeiro andar tinha calefação. Peguei minhas coisas e fui tomar banho lá em cima. Se tinha calefação acho que não funcionava com dignidade, o banheiro estava tão frio quanto qualquer outra área do hostel. Tomei um banho rápido, e como havia combinado de encontrar com meu guia para jantar em algum lugar da cidade, não me demorei muito no hostel. Deixei algumas roupas no serviço de lavanderia, e fui informada que estariam prontas na manhã do dia seguinte. Pouco antes das 22h peguei um guarda-chuva emprestado na recepção do hostel e entrei em um taxi rumo ao ‘La Ultima Frontera’, barzinho com estilo de pub, com paredes de cores vibrantes daquelas que tem nome e sobrenome, azul celeste, verde esmeralda, azul indigo, amarelo sol e laranja alguma coisa, repleto de fontes de cerveja artesanal e garçons com cara de membros de banca da rock. O bar estava lotado, e após alguns minutos sob a chuva, encontrei meu guia sentado no balcão próximo às fontes. Pedimos vinho e um hambúrguer suculento repleto de abobrinhas. 


Eu estava morta de fome, comi cada pedaço como se nutrissem cada pedaço esfomeado do meu corpo. Pedimos uma segunda garrafa, e seguimos andando pelo centro, na primeira parada chegamos a um karaokê de aparência duvidosa onde três homens pagavam prendas vexatórias numa espécie de palco, mas todos pareciam se divertir com o vexame alheio. Na segunda parada chegamos a uma boate de vários ambientes, onde acabamos por encerrar a noite e adentramos no começo da manhã no piso superior que tocava músicas latinas da moda. Era um tsunami de civilização comparado aos dias anteriores de isolamento e pouco convívio social. Pegamos um táxi, desci no hostel e o Marcelo seguiu. Devolvi o guarda-chuva, e apaguei.


No dia 26, tomei café na companhia de um chileno charmoso e gentil de Viña del Mar chamado Joaquim, que estava lá para uma competição de Judô. Pães, iogurte, cereal, geleia e café. Pouco antes do meio-dia meu guia passou no meu hostel, demos uma volta pelo porto de Valdivia, passamos por uma feira de frutos do mar, com direito a leões marinhos na beira do porto, barcos e pássaros tomando banho de sol. 


      


              


























Passamos ainda em um shopping local, onde comprei uma touca decente da Marmot. Almoçamos num restaurante mexicano de cenário e comida duvidosa. Perto das 14h pegamos 105km de estrada de Valdivia até Neltume, Panguipulli, com a chuva variando entre fina e pesada todo tempo nos acompanhando. Não fosse a chuva e o dia nublado, teríamos apreciado ainda mais a vista da estrada, que segue por curvas em torno do lago de um lado e florestas deslumbrantes do outro. Nossa primeira parada perto das 17h foi no ‘Salto El Puma Backpackers na Carretera Internacional, onde conhecemos e conversamos por mais de meia hora com um simpático guarda florestal de quem não recordo mais o nome mas acho que era Raul, pessoa repleta de histórias e de muito amor e serviço ao Chile. O refugio superior estava fechado para reformas, e as quatro habitações independentes estavam ocupadas. Mas o guarda logo contatou uma pessoa do parque que aluga cabanas, e logo teríamos a nossa disposição uma cabana maior que minha própria casa, com direito a todo conforto de um lar pelo preço de um camping. Pouco antes de anoitecer, fizemos o sendero/caminho ‘salto del puma’ de menos de 1km, que em seu percurso tem uns túneis de bambu (para amortecer as gotículas de água da cachoeira) e leva até uma cachoeira. Voltamos para o carro, falamos com o guarda, e a Sra. Elizabete nos guiou até a cabana.



















No dia 27, após o café da manhã com ovos e pães, nos despedimos de Elizabete e partimos para o sendero ‘Los Espiritus’, uma alusão aos espíritos dos Mapuches, repleto de totens de madeira por toda trilha, com uma parada ‘obrigatória’ no hotel Montanha Mágica. Caía uma chuva fina mas constante que deixava o céu cinza, de modo que as fotos não transmitem a beleza do lugar. Fizemos ainda o sendero ‘Botanico’ na reserva biológica Huillo Huillo. Às 15h paramos para almoçar em um restaurante simples em Panquipulli, pedi frango com batatas fritas e vinho para acompanhar. 




              


Após o almoço, pegamos a estrada rumo a Pucón, cerca de 74km, parando antes nas Thermas Geométricas, em Coñaripe. Chovia muito além do frio congelante, e nenhuma foto prestou, mas o lugar é lindo, e as piscinas naturais são bem quentes. Ficamos cerca de 1h30 e partimos para Pucón. 




No caminho, fiz nova busca no booking, e reservei o Hostal Rio Libre em Pucón, pelos mesmos requisitos dos hostels anteriores: barato, com banheiro de água quente, calefação e café da manhã. Percorremos o percurso de Coñaripe a Pucón em aproximadamente 2 horas, não tenho registro, mas devo ter chegado no hostel cerca de 22h. Novamente meu guia me deixou no hostel, ao passo que voltaríamos a nos encontrar no dia seguinte para a última trilha guiada por ele. Fiquei num quarto de 9 beliches, ou seja, 18 camas, bem organizado e pouco ocupado, em uma rápida vista, vi apenas 4 camas ocupadas. Uma mineira que não me recordo o nome mas acho que era Priscila me recepcionou de forma hospitaleira e carismática, mostrou o hostel, me senti em casa, tomei banho e hibernei.  

No dia 28, acordei sem pressa, tomei banho sem pressa e tive pressa para tomar o café da manhã, que se encerraria às 10h. Enquanto pagava os dias seguintes de acomodação, acabei fazendo amizade com a Flávia, também mineira, que estava na recepção naquele momento, e há meses estava longe de casa, sempre fazendo serviços temporários nos hostel, tendo percorrido todo o Peru, e grande parte do Chile, e outros lugares. Um ser humano extraordinário. Posso dizer que tive sorte em Pucón pelas amizades que fiz além da Flávia, também conheci uma australiana, uma coreana e dois chilenos, sobre quem mencionarei mais na frente. Enquanto esperava meu guia, conversei bastante com a Flávia. Era uma segunda-feira, eu iria embora na sexta e acredito que ela partiria no domingo, então acabamos conversando muito nos dias que se seguiram. 




O Marcelo passou no hostel passava das 13h, e seguimos para o Parque Nacional Huerquehue, distante 35km, levamos pouco mais de 1h até a entrada do Parque. Às 13h30 iniciamos um Hiking de aproximadamente 13km, cujo ponto de partida estava à 780m, e chegaríamos numa altura máxima de 1.350m, subida de aproximadamente 570m. 

Fomos ao Lago Chico, imensamente lindo,  repleto de araucárias, uma selva linda, silenciosa e fria. Esse lago Chico definitivamente é um dos cenários mais lindos em que já pude estar, para o qual eu tenho costumado me remeter mentalmente nos dias difíceis, bastando fechar os olhos e me imaginar novamente sentada na rocha na beira do lago, de frente a um paredão de araucárias nevados. Nossa trilha não durou mais que 3h30, e retornamos para Pucón, tendo chegado ao hostel pouco antes das 19h. Ali eu me despedi do Marcelo, e segui sozinha o restante da viagem. 



Me juntei a Flávia e outros três hóspedes numa sala de ‘cinema’ no hostel bem quentinha e aconchegante que transmitia filmes do netflix em retroprojetor. Não me recordo o filme que passava, apenas aproveitei para utilizar o wi-fi e fiquei maior parte do tempo utilizando o celular. Ressalto que tudo que fosse quentinho no sul do Chile tem todo meu apreço.



O dia 29 foi de muita chuva em Pucón, ao que só me restou caminhar um pouco pela cidade e torcer para abrir um bom tempo para subir o Vulcão Villarica, que pela previsão do tempo o bom tempo só ocorreria no dia 31, ou seja, dali a dois dias. Fiz um péssimo câmbio na cidade, o Brasil estava afundado em crise e greve dos caminhoneiros. Fui ao mercado comprar algo para almoçar naquele dia e para jantar nos próximos dias. Nesse dia, eu e a Flávia fizemos um nhoque com molho de tomate, acompanhado de vinho. Aliás, os dias de chuva se passaram na companhia de muito vinho e chocolate para passar o tempo. Naquele almoço tive a oportunidade de conhecer um pouco mais sobre a história da Flávia, soube que ela é vegetariana há anos, e que ela trabalhava em uma agência de publicidade em minas, e um dia teve que fazer ou revisar a propaganda de um abatedouro, aquilo foi o limite dela, daí que ela largou o trabalho e está viajando há um tempo. Soube também que assim como eu, ela é fascinada pelo Peru, inclusive tem um namorado peruano. A tarde foi de mais filme no cinema do hostel. No final da noite, fomos todos para o teto do hostel ver o céu, mesmo com todo frio valeu a pena. 


O dia 30 foi de poucas expectativas e muita chuva. Caminhei pela cidade, entrei em algumas lojas procurando uma camisa polartec, cuja tecnologia me proporcionasse secagem rápida e não sofresse com o frio nas montanhas, encontrei uma, comprei e segui andando até a agência, para fazer o pagamento e separar a roupa que usaria no dia seguinte, na ascensão do vulcão. Escolhi a agência Mawida Adventures pelas excelentes recomendações que recebi, inclusive de um grande guia montanhista amigo do Marcelo. Paguei um pouco mais caro do que as demais agências, mas minha prioridade era experiência e segurança. Da agência, no caminho para o hostel, fui novamente ao mercado, a poucos metros do hostel, comprar algo para o almoço do dia. Enquanto preparava o almoço, um capeletti de queijo, na companhia da Flávia, conhecemos a simpática australiana Tayla, pessoa de energia cativante, que em pouco tempo de conversa descobri que amava o Brasil e certamente namorou mais brasileiros do que eu. 


O vinho e chocolate comprados no almoço não foram suficientes, e logo partimos ao supermercado comprar mais vinho, após cada uma ter comprado uma garrafa de vinho e uma barra de chocolate, voltei na agência, pois a Tayla resolveu subir o vulcão comigo. Abrimos uma garrafa de vinho na agência, enquanto a Tayla pagava e provava o macacão e as botas. Seguimos bebendo até o final da tarde, nesse dia teve até fit dance do vrau na sala de cinema do hostel. A recomendação de não ingerir álcool antes de um trekking em montanha não foi seguida, mas não restou em graves danos. A noite jantamos e me deliciei em um bom cappuccino até o sono bater. Dormi cedo, pois acordaria umas 6h30 do dia seguinte.


A manhã do dia 31 eu era só expectativas. O dia estava incrivelmente lindo, e finalmente consegui ver o vulcão que até então não era visível bem na rua do meu hostel. O Rodrigo da agência passou em nosso hostel e seguimos para a agência onde encontramos com a Tasha, uma sul coreana  tímida no início, mas depois se demonstrou muito simpática e divertida. Colocamos as roupas e botas da agência,  pegamos os equipamentos e seguimos de 4x4 até a base do vulcão.




O Vulcão Villarica tem 2.847m, é preciso bom preparo físico e cardiorespiratório para aguentar a ascensão de 1.647m em aprox. 6h de subida até o cume do vulcão, que ainda está em atividade e que teve sua última erupção em 2015. Iniciamos a ascensão às 8h, e a montanha toda estava nevada, coisa mais linda, uma beleza indescritível, o céu estava limpo, de um azul deslumbrante. Algumas pessoas desistiram antes mesmo de alcançar a metade do percurso, inclusive a Tayla e a Tasha desistiram, e eu segui com outro grupo, de alguns garotes alemães sem um pingo de juízo e outros dois casais de franceses.

Chegar ao cume foi algo fascinante, classifiquei como segundo dia mais deslumbrante da minha vida, o primeiro foi chegar em Machu Picchu. Às 14h alcancei o cume e peguei uma pequena pedra de lembrança, que guardei na jaqueta da agência. O Dia estava incrível, céu sem nuvens, de um azul literalmente celestial. Valeu a pena os dias chuvosos de espera no hostel. Na descida certamente é mais rápida e repleta de adrenalina na base ‘skibunda’, o que leva em torno de 2h40. Nunca gargalhei tanto e me senti tão jovem quanto naquele momento, tombando para todos os lados, e fazendo guerra de neve com os alemães.  Como prêmio fui recebida com algumas cervejas Mahou enterradas na neve a minha espera. Partimos de volta para a agência, devolver os equipos, e segui para o hostel tomar um banho e fui comemorar com a Tasha e a Tayla e o pessoal da agência, Rodrigo e Javier em um barzinho chamado ‘Tapas y mamas’, onde comandamos o som, com trilha brasileira. Eu não tinha pressa, acabava de ter alcançado um dos sonhos de trilheira, meu primeiro cume, num dia tão incrível que até Deus deve ter sentido orgulho Dele mesmo por aquele dia tão magnífico. Voltei para o hostel já era madrugada, umas 3h da manhã e dormi como uma criança, plena.





Na manhã do dia 01, eu já morria de saudades de Pucón e sentia um arrependimento sem tamanho por ter comprado passagem área para Santiago. Senti uma vontade absurda de mudar de planos, de largar meu roteiro, de seguir meus instintos. Mas não o fiz, e me arrependo profundamente por isso, certamente este será um dos grandes arrependimentos do ‘deixei de fazer’. Acordei umas 9h, tomei banho e café da manhã. O Javier da agência se ofereceu para me mostrar um pouco mais da cidade, afinal com as chuvas dos dias anteriores, não conheci praticamente nada de Pucón, me levou ao lago estilo praia deles, de areia/pedrinhas pretas vulcânicas, bem movimentado no verão, mas que com aquele frio só pareceu atrativo para uma mulher que fazia ioga no vento congelante. Seguimos para o 'gran hotel' onde há um transfer diário para o aeroporto de Temuco, opção confortável e pouco mais cara que um ônibus de linha normal, mas que valeria a pena para eu não me deslocar tanto e carregar muito peso haja vista o cansaço acumulado das aventuras dos dias anteriores. Dei uma passada na agência novamente para pegar a pedra do vulcão que havia guardado na jaqueta da agência e fazer hora enquanto o transfer não passava. Em seguida, voltei ao hostel para pegar minhas malas e me despedi da Flávia. Logo que a van vazia parou na frente do Rio Libre, vi um casal de mais idade se aproximando, eles estavam em um hotel ao lado do meu hostel, e também iriam no mesmo transfer que eu. Para minha surpresa, logo descobri que eram brasileiros, mineirinhos apaixonados por Recife, o Sr. Luis Carlos e a Sra. Maria Antonia, mais charmosos e cativantes impossível. Em menos de meia hora de conversa, eu já tinha ganhado um sogro e uma sogra, e o filho deles nem sabia da minha existência. Eles estavam indo para Santiago, e logo formamos um trio de espera. Nosso vôo saiu de Temuco (Aeropuerto La Araucania) às 15h40 e chegou em Santiago às 17h. Pegamos nossas malas e logo me despedi do casal mineiro, após trocarmos número de telefone. 


Esperei no aeroporto por Luis e Thais, a brasileira que conheci na viagem do Peru em 2017, e que se tornou grande amiga desde então. Ela conheceu o Luis num passeio que fizemos ao lago Titicaca, e desde então estão juntos, tendo se mudado para o Chile havia uns dois meses antes de minha chegada lá. Como recepção, eles fizeram um churrasco para mim, regado a muito ‘choripan’ (pão com linguiça), doritos com uma maionese viciante feita com milho verde e azeitonas, e muita cerveza. A festa foi até a madrugada, e a cerveza pareceu infinita. Eu dormiria na casa da Thais e do Luis naquele final de semana, e na segunda partiria para o hostel no centro de Santiago.


Fez muito frio durante a noite e mais ainda ao amanhecer do dia 02. Tomei banho e passava de meio-dia quando tomamos café da manhã. Na companhia da Thais, do Luis e de Matias amigo do Luis, pegamos um ônibus e um metro, e aproximadamente às 16h estávamos no centro de Santiago nos dirigindo ao Cerro San Cristóbal. Pagamos o ticket para subir no teleférico, e chegamos bem no momento para aproveitar um lindo pôr do sol, agora no outono estava ocorrendo em torno das 17h20. Provei a bebida 'Mote con huesillos', não gostei mas é bem tradicional, não alcoólica feita de suco de pêssego com grãos de trigo. Subimos de teleférico e descemos andando, não é  pesada a descida. Aproveitamos para dar uma passada no Patio Bellavista à noite (os brasileiros gostam de ir ao restaurante 'Como água para chocolate' que seria uma alusão ao filme, mas não fui porque também é famoso por ser extremamente caro, mas recomendo que assistam ao filme, que é bem romântico e sensual). 

   


Às 19h30 fomos jantar próximo ao Pátio uma 'Chorrillana' prato típico chileno que é sinônimo de jacar com força, pois é feita de muita batata frita oleosa, com um monte de carne (vaca, porco e frango), cebola, pães e ovos meio crus por cima, e lá pelas 21h fomos andando ao 'Café crônica digital' para comer torta ‘trés leches’ (amei). Fui dormir passava de meia noite.




Acordamos umas 10h do Dia 03, e seguimos de carro para Valparaíso e Vinã del mar. De Santiago a Valparaíso são cerca de 120km, e levamos 1h20 mais ou menos. Chegando perto das 14h em Valparaíso. Demos uma passada na La Sebastiana, casa de Pablo Neruda, onde é possível apreciar a vista que certamente serviu de inspiração para Neruda. Já disse ele "Sou onívoro de sentimentos, de seres, de livros, de acontecimentos e lutas. Comeria toda a terra. Beberia todo o mar."


                

Seguimos para os mirantes andando pelas ruas lindinhas de Valparaíso, que lembra um pouco Olinda, com mais grafites e casinhas coloridas, numa vibração bem hippie. Numa dessas ruas passamos por uma casa de primeiro andar, com parede sem pintura, mas com rosas vermelhas na sacada da varada e os dizeres pintados na parede ‘dictadura del amor’. Subi em pequeno elevador panorâmico, tirei fotos em paredes com grafites, apreciei a vista por curtos momentos. 



Tomei sorvete de manjar (doce de leite) na 'Amor Porteño', delicioso, super recomendo. Passeamos no porto, onde há uns passeios de balsa que parecem ser legais, mas não fiz. Em um dos mirantes me apaixonei por um buldogue francês preto de casaco verde musgo, que parece ter se apaixonado reciprocamente por mim haja vista as lambidas e pulos que recebi dele. 


Perto das 17h30 seguimos para Vinã del mar, com direito a inúmeras fotos no famoso relógio de flores, e corremos cruzando a avenida sentido praia quando nos demos conta de que o sol estava se pondo. 


          


















Era meu primeiro contato com o oceano pacífico, o pôr do sol foi simplesmente deslumbrante, com gaivotas sobrevoando as águas, sentei na areia, apreciei os últimos minutos do sol, senti gratidão por aquele momento. Molhei as mãos na água gelada, e seguimos para jantar em dos restaurantes a beira mar, a comida foi cara e não muito boa, um peixe frito, purê apimentado e batata frita murcha, mas a vista noturna recompensou. 

         


Saindo de lá, demos uma passada rápida em Renãca, uma cidadezinha praieira colada a Viña del mar que costuma lotar no verão mas que estava bem vazia durante nossa passagem, exceto pela fila do drive-trhu de um Mc Donalds pelo qual passamos andando. Paramos ainda em um shopping em Reñaca e fomos tomar uma enorme taça de sorvete que seria dividida por nós quatro.


No dia 04, eu não tinha programação além de fechar as malas e seguir para o hostel. A Thais me acompanhou nessa empreitada, não teria sido fácil pegar um ônibus e um metrô com um mochilão de 60L nas costas, uma mochila menor e uma mala de rodinhas. Fomos direto ao Hostel Providencia, também escolhido pelos mesmos critérios dos anteriores, mas dessa vez eu pagaria mais caro em razão dos números de diárias que ali ficaria. Fiz o check-in, deixei as malas e fomos andar pelo centro da cidade. Era cerca de 14h quando chegamos ao Cerro Santa Lúcia, ‘marco zero’ de Santiago. 


Bonito, com portões e escadarias propícios para bonitas fotos e com um mirante no topo onde é possível se ter uma vista bem bonita e diferente de Santiago. 


Era cerca de 15h30 quando chegamos andando pela Plaza de Armas, entramos na Catedral. Não fui ao Museu Precolombiano, o que viria a ser uma frustração pois nos últimos dias eu já não tinha mais dinheiro para custear a entrada. Ainda na plaza de armas era 16h quando resolvemos almoçar, e pedimos cada uma dois hot-dog chileno chamado ‘completo’, que vem com abacate e chucrute, onde eu adicionei quase meio quilo de maionese e molho ají. Ali eu quebrei meu jejum de mais de 2 anos sem tomar refrigerante e tomei uma coca-cola para ajudar a ‘descer’ aquela ‘especiaria’ que eu não apreciei muito. Mas salvei o meu desjejum com um donuts recheado e café macchiato numa Dunkin’ Donuts. De lá me despedi da Thais e segui sozinha para o hostel. 


Às 21h, já alojada e tomada banho, apreciei sozinha uma cerveja de boas vindas fornecida pelo hostel. Naquele dia eu conheceria quatro brasileiros e uma australiana com quem eu dividiria o quarto nos próximos dias: Rodrigo, Tiago e Diogo, três simpáticos amigos arquitetos que estavam mochilando por alguns dias, uma blogueira morando no hostel acho que de nome Laise e uma australiana que só fazia dormir e que não faço ideia do nome. Como acordaria cedo no dia seguinte, fui logo dormir.


Acordei perto das 6h no dia 05, a agência que eu havia contratado, custo de 25 mil pesos, para fazer o passeio ao Embalse el yeso (no Vale del maipo), a Morande, me pegaria antes das 7h, portanto, perdi o café manhã o que me deixou triste e esfomeada. A van estava cheia quando passaram no meu hostel, a maioria brasileiros e a maioria bem simpáticos, muito embora eu só tenha descoberto isso horas depois quando acordei, pois apaguei logo que o carro começou a andar. 

Paramos em Puente Alto, onde comi um misto quente e um cappuccino delicioso. Nessa parada as pessoas podem alugar roupas e botas para fazer a caminhada no gelo. Como eu estava preparada (casaco, fleece e bota impermeável) julguei acertadamente não ser necessário gastar 8 mil pesos em cada peça de aluguel. O passeio em si dura pouco tempo, mas a vista vale a pena. Era quase 10h30 quando nossa van chegou no seu destino. 

O Embalse é uma barragem (reservatório) de água formado através do represamento do Rio Yeso e degelo da Cordilheira dos Andes, localizado a aproximadamente 3.000m, sendo a principal fonte de água potável para toda a capital chilena recém, que levou mais de 10 anos para ser construído e inaugurado em 1964. As fotos são belíssimas em função do cenário nevado ao fundo. Antes de voltarmos, as agências promovem break acompanhado de petiscos e vinho.





Na volta, descemos da Van e paramos no Túnel Tinoco, no qual há uma triste história de suicídio e que virou altar de pedidos ao rapaz que ali se ‘perdeu’, fazemos uma caminhada pelo túnel, achei um pouco desagradável. O motorista da van ainda fez uma parada rápida para tirarmos foto em uma casinha que vende delícias feitas com chocolate, digna de contos como João e Maria.

E seguimos estrada. Paramos novamente em Puente alto, cerca de 15h30 da tarde, enquanto as pessoas devolvem os equipamentos alugados, aproveitamos para comer novamente. Pedi uma ‘empanada de queso’ e de sobremesa comi novamente o ‘queque’, aquilo é viciante. 

Chegamos cedo no centro da cidade, e ao invés de descer no hostel, desci no centro para caminhar pelo centro e visitar algumas lojas.  O passeio é cansativo, mesmo que não seja preciso andar muito, a estrada repleta de curvas é perigosa e enfadonha. Acabei desistindo de fazer o passeio para o Vale Nevado, pois o parque ainda estava fechado, e não quis pagar 20 mil pesos para apenas ver neve, portanto, fiquei com o dia seguinte livre. Fiz amizade coma Jessica, uma paulista que estava na van, e como estava sem programação assim como eu, combinamos de conhecer alguns museus no dia seguinte.


No dia 06, tomei café no hostel, basicamente o que eu já vinha comendo nos outros dias, café com leite, pão com geleia e doce de leite, mesmo acordando cedo, não consegui chegar a tempo para ver a troca de guarda do Palácio La Moneda. Só consegui chegar às 10h30 no La Moneda, e a troca ocorre às 10h dos dias pares, algo assim. Encontrei a Jéssica e seguimos para dentro do La Moneda onde há um centro cultural legal. Ainda no La Moneda, tiramos foto na famosa porta 80 da Rua Morande, de onde Allende saiu morto.



               
























Fomos andando até a Biblioteca Nacional, nessa oportunidade, corremos até dos carabineiros del chile, pois estava tendo uma manifestação de vários movimentos feministas, e quando estávamos chegando na frente da Biblioteca, a polícia começou a soltar bomba de gás e as pessoas começaram a correr em nossa direção, na dúvida, corremos também. Mas logo conseguimos entrar na Biblioteca, que é bem linda, mas saímos pelos fundos para não correr riscos. 



De lá pegamos o metro para ir ao Museu de La Memoria y los derechos humanos, cuja entrada se dá ainda dentro do metro. Se você gosta de história, viva e crua, vá ao Museu de La Memoria, é intenso e relata bem o período da ditadura no chile, algo recente e vivo na memória dos chilenos. 



De lá, é possível ir andando ao MAC e ao MHN. Super recomendo o Museu de Historia Natural, é bem bonito e o parque onde ele fica é bem legal, nele foi possível ver esqueletos de dinossauros, e um pouco da história e biologia do Chile. Não gostei muito do Museu de Arte contemporânea que fica ao lado do Museu de Hist. Natural, mas vale a pena dar uma passada pela arquitetura. Passava das 15h quando pegamos metro de volta ao centro e fomos almoçar numa Pizza Hut, e andamos mais um pouco pelas lojas e voltei para o hostel, onde resolvi fazer a reserva da vinícola Cousiño-Macul para o dia seguinte. Não entendo bem de vinhos, além de reconhecer as uvas que não gosto e ter um apreço especial por Merlot e Carmenere, essa é todo meu entendimento sobre vinhos, mas resolvi ir por considerar um passeio inato, essencial ao local, então escolhi uma vinícola menos famosa pelos brasileiros e com uma carga história aparentemente maior por ser a mais antiga. Santiago tem tanto brasileiros como Orlando, é quase como não sair de casa, o que pode ser bom mas também tira um pouco o sabor do ‘desconhecido’.


No Dia 07, acordei com pressa, pois para chegar na Viña Cousiño-Macul no horário marcado às 12h eu teria de pegar alguns metros e um ônibus, e eu tinha de contar ainda com uma margem caso desse algo errado. Mais uma vez eu estava sozinha, o que pode ser entediante mas por duas vezes fiz amigos momentâneos ao perguntar algo sobre a estação, pessoas com quem falamos por menos de 5min mas que no mundo de quem viaja sozinho vira companheiro de viagem. Escolhi o tour regular, a entrada custou 14 mil, com degustação de 4 vinhos, mas há outras opções mais ricas de tour. Acabei chegando antes e entrei no grupo das 11h, foi bem legal e deu para aprender algumas coisas, não rendeu boas fotos, pois não tive bons colaboradores e não queria ficar enchendo a paciência de ninguém pedindo para repetir foto. Passamos por uma parte da plantação de uva, e entramos em um galpão feito com uma espécie de barro e casca de ovo, não entendi direito, mas aparentemente é algo bem resistente à terremotos. O galpão é um frio a parte, mas é bem interessante ver os imensos tonéis e a evolução dos equipamentos e preparo do vinho. Escolhi o tour básico, era o que o dinheiro poderia pagar, e tive direito a degustar 4 vinhos, dois brancos e dois tintos, todavia, como um casal de peruanos não estava bebendo, prontamente me ofereci para tomar a parte dele, ou seja, fiz praticamente doze degustações, e saí de lá perto das 13h meio feliz demais e com medo de não acertar o caminho de volta. 




Dentro no metro me percebi rindo sozinha, praticamente gargalhando. Estava feliz, não só pelo álcool em meu sangue, mas pela vida que vivi nos últimos dias. Errei o último metro. Mas até o erro foi um acerto, entrou um grupo de quatro chilenos, com violão e etc tocando Gipsy Kings, e curti ‘Djobi djoba’ até descer na Plaza de Armas. Como não tinha programação, resolvi andar pelo mercado público. Como bom mercado público, vendedores de frutos do mar aparentemente pouco frescos ficam oferecendo peixes e outras coisas que podem ser compradas e preparadas pelos restaurantes do lugar. Uma fonte no meio do mercado dá um ar ‘romântico’ aos restaurantes super caros, ao menos para mim, que naqueles últimos dias já estava com dinheiro mais contado do que nunca. Ao lado do mercado central, parei do Emporio Zunino, o lugar é mega lotado e funciona desde 1930, com preços atrativos, decidi experimentar a famosa empanada de piño, que é uma mistura de carne de vaca em cubos pequenos, cebola, ovos cozidos, azeitonas, uva passa e temperos. O negócio é uma delícia, mas quase perco um pedaço da boca de tão quente, na primeira mordida o caldo pregou nos lábios e as lágrimas desceram, e eu vi o cozinheiro me observando de longe, com cara de quem esperava que aquilo acontecesse. Mas quem me conhece sabe que eu gosto de comida pegando fogo, e nem esperei esfriar, e fui comendo, enquanto na televisão presa à parede eu via que nevaria nos próximos dias em Santiago. Do empório fui caminhando até a estação mapocho, mas não havia nenhuma exposição, além de bela arquitetura. Perto das 15h fui embora para o hostel, mas ainda erraria a estação e desceria três paradas antes, e resolvi ir andando, numa longa caminhada, que parecia não ter fim. Naquela noite no hostel, teve pisco sour free por uma hora, e eu devidamente aproveite bastante na companhia de outros brasileiros que estavam hospedados lá. 




















No dia 08, já sem programação e entediada com Santiago, tomei café da manhã e combinei com o Tiago, que estava também sozinho porque os outros dois amigo tinham ido para o passeio do Embalse, de irmos ao Parque Bicentenario, onde há uma escultura show bem famosa chamada ‘la busqueda’, e outras esculturas, lago com patos e flamingos, etc. O parque é longe, grande para percorrer, e entediante. Comprei ração, dei aos patos, e logo peguei um ônibus e um metro para encontrar a Thais e o Luis. 



















Fui na onda de um chileno confuso, e errei o metro, gastando um dos meus últimos mil pesos. Encontrei a Thais e fomos caminhar no Parque Araucano, que é bem lindinho, com roseiras, uns campos gramados, esculturas, e estruturas férreas repletas de plantas suspensas. 

                                                                  

Passamos um tempinho andando por lá, e somos o Parque Arauco, um shopping sofisticado, bem grande, com uma linda arquitetura e cheio de lojas que geralmente não encontramos por aqui, e que foi um tormento para quem como eu estava com pouquíssimo dinheiro. Meu único luxo ali foi me dar ao direito de tomar o sorvete de Sahne Nuss e Doce de leite no quiosque da Frugurt (que é da Nestle e fica na praça de alimentação). 

Era minha última noite em Santiago, então eu, Luis e Thais, saímos para jantar no La piccola italia, um restaurante chiliano (chileno com italiano), de preço justo. O Matias nos encontrou no restaurante, e fomos para alguma balada chilena. Primeiro paramos em um karaokê que era entediante, onde pessoas sem um pingo de voz e muito álcool pareciam se divertir cantando musicas tradicionais chilenas. Quase morri de tédio, então saímos de lá a procura de outro lugar mais animado. Entramos em um espaço meio monótono mas de musica boa, onde tocava musicas mais animadas e da moda, que após começarmos a dançar lotou. Após horas dançando, e comprometida com meu horário do dia seguinte, voltamos para o hostel era cerca de 2h da manhã.

                      


















Meu último café da manhã no hostel no dia 09, foi na presença de uma senhora com mais de 70 anos que estava passeando com a filha. 


Às 11h30 fiz check-out, e esperei a van que contratei para fazer meu transfer até o aeroporto. Segui para o aeroporto de coração partido. Olhando a paisagem que parecia ter ficado cinza. Com meus últimos quatro mil pesos comprei um sanduíche de frango na Starbucks, sem café. Meu vôo para Ezeiza partiu às 15h25 sem atrasos, passei algumas horas em Ezeiza, e às 02:30 do dia 10 parti de volta para casa, era o fim de uma linda viagem.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Siga @fabianapessoa